Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

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quarta-feira, outubro 01, 2003

Maria Elisa e os malucos do riso

O país político e publicado assemelha-se a cada dia que passa com essa série ícone da televisão portuguesa que se chama os “Malucos do Riso”. Num país de graçolas e engraçadinhos; de piadinhas e torradinhas, é por vezes difícil distinguir a comédia brejeira da amarga tragédia.
Entre a tragédia e a comédia, cá vamos com a cabeça entre as orelhas destilando risotas, invejas e a piar fininho como convém ao nacional-situacionismo.
Um charco sem pedras, um pântano pestilento, um país da tanga, essa é que é essa. Tudo a propósito do mais recente caso que abalou em espasmos virginais os palacetes da politiquice à portuguesa, com actores tão sofríveis como os que encenam as piadolas bregas dos “Malucos do Riso”.
Tal como com aquela série campeã do “prime time” televisivo, nunca sei se rir ou se chorar de amargura com a pobreza repetitiva do guião. O episódio deste seriado à portuguesa, que de sério pouco tem, conta-se em poucas palavras.
A deputada eleita nas listas do PSD pelo círculo de Castelo Branco decidiu pedir a suspensão do seu mandato na Assembleia da República.
Pouco depois, soube-se que a deputada retomou a sua antiga actividade profissional numa empresa faraonicamente sustentada com o dinheiro dos contribuintes, a bem de um pseudo-serviço público que, como se vê, tem muito mais de privado (pelo menos nos interesses) do que público.
Falamos claro, da deputada Maria Elisa, jornalista-estrela do nosso firmamento mediocrático (a palavra vem de medíocre), com que o Partido Social Democrata decidiu emprestar um certo “glamour” às suas listas eleitorais, normalmente compostas por obscuros caciques locais, que debitam promessa fácil sob a respeitável bigodaça.
Vivó luxo! Nós por cá na província, que raramente somos bafejados com alguma coisa, tivemos a fortuna de ser bafejados com uma deputada “super-star”, secundada pelo homem da bola branca. O distrito de Castelo Branco podia finalmente aspirar em aparecer nos noticiários, e presumivelmente na revista “Caras”.
Sempre era melhor do que só sermos notícia chamuscada pelos incêndios que devastam a região.
Estávamos mesmo a ver a deputada Maria Elisa a visitar as Minas da Panasqueira de capacete mineiro proeminente, para se inteirar das condições de vida dos mineiros, seguida por uma batalhão de câmaras e flashes; ou a fazer uma conferência de imprensa junto ao Zêzere, reivindicando medidas para a despoluição daquele rio. Seria também uma oportunidade, para por uma vez, desviar os holofotes mediáticos dos decotes e permanentes das baronesas de trazer por casa do “jet-séptico” nacional, para a condição feminina no meio rural, com a deputada a dar palestras nas aldeias e nas fábricas têxteis falidas. A igualdade, a violência doméstica, a condição feminina discutida no meio do povo, e fora das tertúlias mornas e pardacentas de um feminismo palavroso e oco. Finalmente íamos ser notícia e, com jeitinho, a deputada Maria Elisa poderia fazer por nós aquilo que Pedro Santana Lopes fez pela Figueira da Foz – ou seja, um Mundialito de futebol de praia, com transmissão em directo pela RTP e comentários do Gabriel Alves. Já tínhamos até encomendado uma lápide para desterrar nas novas piscinas do Fundão, a que daríamos o nome de Piscinas Públicas Maria Elisa, que nisso de gratidões lambisgóias não somos gente para ficar atrás das gentes da Figueira.
O distrito de Castelo Branco podia finalmente almejar a fama, esse Santo Graal da sociedade portuguesa, e tudo graças a essa divindade da “política-espectáculo”, que nos faria renascer das cinzas do anonimato, para os escaparates da fama. Desafortunadamente, a senhora deputada foi atacada de mal súbito, muito antes de poder distinguir o queijo de Alcains do queijo de Azeitão. Fadiga crónica, rezam as crónicas, um mal de que todos padecemos em maior ou menor dose, sobretudo quando em prolongada exposição com os pares da Nação.
Meteu baixa para se ir tratar nas termas da RTP, que como se sabe é uma óptima estância balnear para espécies parasitárias.
Acontece que lá nas termas afinal havia outra, que judiciosamente se encarregou de levantar um escarcéu com o regresso da ex-Primeira Dama, ou Prima Donna, num registo mais próximo desta genuína opereta.
Mas, como neste trapézio dos super-funcionários públicos nunca se é acrobata sem rede, vai de trampolim de deputada de Castelo Branco para conselheira Cultural da Embaixada Portuguesa em Londres.
Olari, que chique, que globalização menina; em vez de caldo verde na Senhora do Almortão, vai de chá e scones na City.
Acabam-se as estopadas nas festas populares com palminhas aos “6 de Portugal”, ou o bailarico ao som da aparelhagem “Campos da Lardosa” e vai-se é de vestidinho de noite ao Carneggie Hall, ou a um concerto da Filarmónica de Berlim no Royal Albert Hall.
Troca-se o aperto de mão às velhotas da Atalaia do Campo pelos brindes em “flutes” de champagne nas corridas de Ascott, coscuvilhando as plumas dos chapéus das duquesas da Velha Albion. Ena menina, isso é que é chique a valer.
Vá, vá andando com a graça de Deus, que nós os pacóvios cá do brejo não somos de guardar rancores, (nem tão pouco saudades).
Preferimos mil vezes o nosso pacato anonimato e a santa terrinha, aos beberetes da embaixada, ou às “vernisages” de algum escultor pobretanas do Soho que lá enganou mais uns pacóvios do corpo diplomático.
E, por favor, não ligue às más línguas e às erupções de moral cutânea dos seus invejosos amigos da política.
Onde é que já se viu uma Comissão de Ética no Parlamento? Essa nem os Malucos do Riso se lembravam. Seria o mesmo que ter um gabinete jurídico num covil de larápios, ou uma raposa a guardar o galinheiro das doninhas.
Não ligue ao Vicente, que ele anda um pouco amargurado desde que fez aquele filme lautamente financiado pelo “farnel do Estado” e que só ele percebeu. Veja o caso do António Costa e do loquaz Lacão, esses sim, são uns “gentlemen” de primeira água.
Pronto! A menina cometeu um pecadilho – enganou meio mundo, meteu uma baixa “fraudulenta”, vive às expensas da corte, como uma digna cortesã. Mas, quem se importa com isso? Afinal estamos em Portugal, reino da trafulhice organizada, dos silêncios da cumplicidade canalha, país de memória mais curta que as vistas.
Nada disso importa, afinal sempre somos cavalheiros condescendentes. Ande, ande vá para o país dos Monthy Pithon, que nós por cá continuaremos a rir com os “Malucos do Riso”…