Trabalho fingido
“Não quero ganhar a minha vida, já a tenho.”
Boris Vian
Um estudo recente de uma daquelas organizações internacionais com nomes pomposos publicado na revista “Visão”, mostrava que afinal em Portugal se trabalham mais horas do que a média europeia. No “ranking” dos escravos do relógio de ponto só somos batidos por alguns povos eslavos, que assim se chamam por insondáveis desígnios da etimologia.
São trinta e nove horinhas semanais que cada “tuga” passa a justificar o ordenado, normalmente baixo.
Isto é uma média, e não sabemos bem como é calculada, se pelo método de entrevista: – Quantas horas é que o senhor trabalha por semana – e já se sabe que a com ar contristado e afadigado o inquirido com propensão para a mentirinha e o exagero, responde - Olhe, trabalho que nem um cão, para aí umas dez horas por dia.
É assim que se mede a fibra de um trabalhador em Portugal, pela quantidade de horas que passa no seu posto de trabalho.
Ora, lembro-me de uma expressão do Alçada Baptista que para mim define bem esta calibragem entre a formiga e a cigarra que se debatem dentro de nós; o escritor dizia: “Discurso a preguiça e pratico o trabalho, enquanto outros há que praticam a preguiça e discursam o trabalho.”
Todos conhecemos aquela grande especialidade nacional que é fingir que se está a trabalhar. Basta para isso manter sempre um ar muito atarefado, quase esbaforido, e deixar que todos os colegas da repartição façam as malinhas antes de nós, para finalmente podermos ficar no escritório a ver sites de sexo na Internet até o chefe sair.
– Então Marques, ainda por cá a esta hora – Pergunta orgulhoso o chefe – Claro, chefe, isto é preciso aumentar a produtividade do país, todos temos que dar o nosso contributo. –
Responde o Marques enquanto abre rapidamente a folha de Excel, para tapar algumas mamocas mais salientes ao olhar do chefe.
Isto da produtividade tem muito que se lhe diga, e continua a ser uma espécie de paradigma de gestão balofa - premiar e estimular a quantidade de horas de trabalho, ao invés da qualidade de trabalho. É essa cultura pré-industrial e essa mentalidade manhosa que é preciso mudar. A produtividade nacional só vai aumentar quando se começar a discutir seriamente a organização do trabalho. O mais fácil e cómodo é acreditar naquela lenga-lenga de que os portugueses são preguiçosos, desorganizados, ineficazes, desleixados… Isto é uma espécie de preconceito racial que encarna naquele ódio comum que todos os engravatadinhos liberais nutrem pela figura odiosa do Funcionário Público, como se os vícios burocráticos e ociosos das repartições de finanças públicas não pudessem facilmente encontrar reprodução em qualquer empresa privada.
Ora, ao que conste a organização e planeamento do trabalho não dependem do trabalhador, dependem de quem gere os recursos humanos e aloca força de trabalho a determinadas tarefas.
É a mentalidade empresarial de índole quase medieval que impede desenhar estratégias de produtividade, porque a maior parte dos pseudo-gestores em Portugal se limitam a ocupar-se com o controlo de custos, e com despedimentos, é para isso que servem. A culpa do mau trabalho em Portugal é sempre do trabalhador, raramente do gestor, e essa cultura da irresponsabilidade é a principal responsável pela baixa produtividade do nosso país.
Se o caminho é tentar competir com os povos eslavos no que respeita a desregulação do trabalho ou flexibilização, que é instrumento perigoso nas mãos erradas, porque rapidamente nos leva ao abuso e ao excesso, então esse é um caminho que nos vai levar irremediavelmente para a cauda da Europa, que abanaremos sempre contentes, como o rafeiro à procura da festa.
Na Holanda, que não consta ser país improdutivo, os escritórios estão vazios às 5 horas da tarde, e as pessoas passeiam nos jardins com os filhos, lêem nas esplanadas, e até frequentam “cofee shops”. Em Portugal essa é a hora que para os gestores míopes se começa a trabalhar. Por cá diaboliza-se a preguiça, nos países sérios sabe-se que a preguiça é parte essencial da vida produtiva. Por cá esbanja-se o tempo com ninharias e falsetes, por lá valoriza-se o tempo do trabalho e todas as coisas boas da vida, que normalmente ficam para lá do horário de trabalho.
Boris Vian
Um estudo recente de uma daquelas organizações internacionais com nomes pomposos publicado na revista “Visão”, mostrava que afinal em Portugal se trabalham mais horas do que a média europeia. No “ranking” dos escravos do relógio de ponto só somos batidos por alguns povos eslavos, que assim se chamam por insondáveis desígnios da etimologia.
São trinta e nove horinhas semanais que cada “tuga” passa a justificar o ordenado, normalmente baixo.
Isto é uma média, e não sabemos bem como é calculada, se pelo método de entrevista: – Quantas horas é que o senhor trabalha por semana – e já se sabe que a com ar contristado e afadigado o inquirido com propensão para a mentirinha e o exagero, responde - Olhe, trabalho que nem um cão, para aí umas dez horas por dia.
É assim que se mede a fibra de um trabalhador em Portugal, pela quantidade de horas que passa no seu posto de trabalho.
Ora, lembro-me de uma expressão do Alçada Baptista que para mim define bem esta calibragem entre a formiga e a cigarra que se debatem dentro de nós; o escritor dizia: “Discurso a preguiça e pratico o trabalho, enquanto outros há que praticam a preguiça e discursam o trabalho.”
Todos conhecemos aquela grande especialidade nacional que é fingir que se está a trabalhar. Basta para isso manter sempre um ar muito atarefado, quase esbaforido, e deixar que todos os colegas da repartição façam as malinhas antes de nós, para finalmente podermos ficar no escritório a ver sites de sexo na Internet até o chefe sair.
– Então Marques, ainda por cá a esta hora – Pergunta orgulhoso o chefe – Claro, chefe, isto é preciso aumentar a produtividade do país, todos temos que dar o nosso contributo. –
Responde o Marques enquanto abre rapidamente a folha de Excel, para tapar algumas mamocas mais salientes ao olhar do chefe.
Isto da produtividade tem muito que se lhe diga, e continua a ser uma espécie de paradigma de gestão balofa - premiar e estimular a quantidade de horas de trabalho, ao invés da qualidade de trabalho. É essa cultura pré-industrial e essa mentalidade manhosa que é preciso mudar. A produtividade nacional só vai aumentar quando se começar a discutir seriamente a organização do trabalho. O mais fácil e cómodo é acreditar naquela lenga-lenga de que os portugueses são preguiçosos, desorganizados, ineficazes, desleixados… Isto é uma espécie de preconceito racial que encarna naquele ódio comum que todos os engravatadinhos liberais nutrem pela figura odiosa do Funcionário Público, como se os vícios burocráticos e ociosos das repartições de finanças públicas não pudessem facilmente encontrar reprodução em qualquer empresa privada.
Ora, ao que conste a organização e planeamento do trabalho não dependem do trabalhador, dependem de quem gere os recursos humanos e aloca força de trabalho a determinadas tarefas.
É a mentalidade empresarial de índole quase medieval que impede desenhar estratégias de produtividade, porque a maior parte dos pseudo-gestores em Portugal se limitam a ocupar-se com o controlo de custos, e com despedimentos, é para isso que servem. A culpa do mau trabalho em Portugal é sempre do trabalhador, raramente do gestor, e essa cultura da irresponsabilidade é a principal responsável pela baixa produtividade do nosso país.
Se o caminho é tentar competir com os povos eslavos no que respeita a desregulação do trabalho ou flexibilização, que é instrumento perigoso nas mãos erradas, porque rapidamente nos leva ao abuso e ao excesso, então esse é um caminho que nos vai levar irremediavelmente para a cauda da Europa, que abanaremos sempre contentes, como o rafeiro à procura da festa.
Na Holanda, que não consta ser país improdutivo, os escritórios estão vazios às 5 horas da tarde, e as pessoas passeiam nos jardins com os filhos, lêem nas esplanadas, e até frequentam “cofee shops”. Em Portugal essa é a hora que para os gestores míopes se começa a trabalhar. Por cá diaboliza-se a preguiça, nos países sérios sabe-se que a preguiça é parte essencial da vida produtiva. Por cá esbanja-se o tempo com ninharias e falsetes, por lá valoriza-se o tempo do trabalho e todas as coisas boas da vida, que normalmente ficam para lá do horário de trabalho.
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