Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

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sexta-feira, novembro 25, 2005

Trabalho fingido

“Não quero ganhar a minha vida, já a tenho.”
Boris Vian


Um estudo recente de uma daquelas organizações internacionais com nomes pomposos publicado na revista “Visão”, mostrava que afinal em Portugal se trabalham mais horas do que a média europeia. No “ranking” dos escravos do relógio de ponto só somos batidos por alguns povos eslavos, que assim se chamam por insondáveis desígnios da etimologia.
São trinta e nove horinhas semanais que cada “tuga” passa a justificar o ordenado, normalmente baixo.
Isto é uma média, e não sabemos bem como é calculada, se pelo método de entrevista: – Quantas horas é que o senhor trabalha por semana – e já se sabe que a com ar contristado e afadigado o inquirido com propensão para a mentirinha e o exagero, responde - Olhe, trabalho que nem um cão, para aí umas dez horas por dia.
É assim que se mede a fibra de um trabalhador em Portugal, pela quantidade de horas que passa no seu posto de trabalho.
Ora, lembro-me de uma expressão do Alçada Baptista que para mim define bem esta calibragem entre a formiga e a cigarra que se debatem dentro de nós; o escritor dizia: “Discurso a preguiça e pratico o trabalho, enquanto outros há que praticam a preguiça e discursam o trabalho.”
Todos conhecemos aquela grande especialidade nacional que é fingir que se está a trabalhar. Basta para isso manter sempre um ar muito atarefado, quase esbaforido, e deixar que todos os colegas da repartição façam as malinhas antes de nós, para finalmente podermos ficar no escritório a ver sites de sexo na Internet até o chefe sair.
– Então Marques, ainda por cá a esta hora – Pergunta orgulhoso o chefe – Claro, chefe, isto é preciso aumentar a produtividade do país, todos temos que dar o nosso contributo. –
Responde o Marques enquanto abre rapidamente a folha de Excel, para tapar algumas mamocas mais salientes ao olhar do chefe.
Isto da produtividade tem muito que se lhe diga, e continua a ser uma espécie de paradigma de gestão balofa - premiar e estimular a quantidade de horas de trabalho, ao invés da qualidade de trabalho. É essa cultura pré-industrial e essa mentalidade manhosa que é preciso mudar. A produtividade nacional só vai aumentar quando se começar a discutir seriamente a organização do trabalho. O mais fácil e cómodo é acreditar naquela lenga-lenga de que os portugueses são preguiçosos, desorganizados, ineficazes, desleixados… Isto é uma espécie de preconceito racial que encarna naquele ódio comum que todos os engravatadinhos liberais nutrem pela figura odiosa do Funcionário Público, como se os vícios burocráticos e ociosos das repartições de finanças públicas não pudessem facilmente encontrar reprodução em qualquer empresa privada.
Ora, ao que conste a organização e planeamento do trabalho não dependem do trabalhador, dependem de quem gere os recursos humanos e aloca força de trabalho a determinadas tarefas.
É a mentalidade empresarial de índole quase medieval que impede desenhar estratégias de produtividade, porque a maior parte dos pseudo-gestores em Portugal se limitam a ocupar-se com o controlo de custos, e com despedimentos, é para isso que servem. A culpa do mau trabalho em Portugal é sempre do trabalhador, raramente do gestor, e essa cultura da irresponsabilidade é a principal responsável pela baixa produtividade do nosso país.
Se o caminho é tentar competir com os povos eslavos no que respeita a desregulação do trabalho ou flexibilização, que é instrumento perigoso nas mãos erradas, porque rapidamente nos leva ao abuso e ao excesso, então esse é um caminho que nos vai levar irremediavelmente para a cauda da Europa, que abanaremos sempre contentes, como o rafeiro à procura da festa.
Na Holanda, que não consta ser país improdutivo, os escritórios estão vazios às 5 horas da tarde, e as pessoas passeiam nos jardins com os filhos, lêem nas esplanadas, e até frequentam “cofee shops”. Em Portugal essa é a hora que para os gestores míopes se começa a trabalhar. Por cá diaboliza-se a preguiça, nos países sérios sabe-se que a preguiça é parte essencial da vida produtiva. Por cá esbanja-se o tempo com ninharias e falsetes, por lá valoriza-se o tempo do trabalho e todas as coisas boas da vida, que normalmente ficam para lá do horário de trabalho.