Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

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sexta-feira, novembro 25, 2005

Turismo de imitação

“Sinto que chegou finalmente o momento de atrair o turismo para a nossa região, utilizando os nossos recursos naturais, que são: a nossa completa ausência de organização, a nossa efectiva ineficácia e a nossa apatia.”
(Jean Dutourd, “Le Cherche Midi, 1990)

Pedir um Dry Martini no distrito de Castelo Branco é o mesmo que pedir uma revista pornográfica numa banca de jornais em Teerão. Ou seja, missão quase impossível, especialmente se formos afeiçoados à azeitoninha do cocktail preferido de James Bond.
É que o Dry Martini, como muitos outros cocktails de dimensão internacional é uma ciência exacta só ao alcance de uns alquimistas do copo, chamados de barman – nobre e honrada profissão, que tornou a psicanálise acessível ao comum dos mortais.
Ora, só quando existirem um punhado de Barmans competentes numa determinada região, é que se pode medir o estádio de desenvolvimento do turismo. É o que eu chamo o barómetro do garfo e do balcão.
Ora, não é preciso ser nenhum Ernst Heminghway ou José Quitério, para se saber que na Beira Interior se come razoavelmente mal e se bebe ainda pior.
Contam-se pelos dedos de uma mão por lambuzar os restaurantes de qualidade superior, que combinem a tradição culinária beirã, com a criatividade que se exige a uma cozinha moderna e inovadora – aquilo que eu chamo o paradigma do requeijão com doce de abóbora.
O principal factor competitivo da restauração beirã é o binómio preço/quantidade, ou seja mede-se no tamanho da travessa de batatas fritas e na quantidade de enchidos que ornamentam as couves de um cozido.
No beber, a pobreza das listas de vinhos só é comparável à gatunice desenfreada praticada nos preços.
Há, claramente uma lista segura de honrosas excepções, que me escusarei de enumerar, e também muito boa e honesta cozinha, escondida em aldeolas e feita de talento quase antropológico, da qual o expoente máximo é talvez o famoso cabritinho e o bacalhau das Eradas. O resto é mais ou menos paisagem para forrar o estômago e palitar o dente.
Cá na Beira come-se e bebe-se muito melhor em casa do que fora, e a não ser que façamos como os cubanos com as casas de sabores, e convidemos os turistas a ir lá comer uma chanfana da Avó Piedade, o mais certo é eles partirem da Beira Baixa meio desconsolados. Falta risco, investimento, imaginação e sobretudo diferenciação.

Aliás é tudo isso que falta na oferta hoteleira da região, com honrosas excepções, da qual destaco as únicas unidade modernas e de nível internacional da região – o Príncipe das Beiras no Fundão e o Vanguarda na Guarda. Todos os outros são tão estimulantes como um jogo de futebol do Benfica ou uma entrevista da Ana Sousa Dias.
Ressalva para o charme meio burguês do Astória nas Termas de Monfortinho e à rusticidade serrana do Hotel Serra da Estrela, de resto, tudo o mais, são hotéis ou motéis de passagem a caminho da Estrela, poisos de caixeiros-viajantes ou centros de congressos de Gastroenterologia. É que um grande hotel, bem localizado e com uma gama completa de serviços é um pólo de atracção turística per se.
Continua a faltar a toda a região uma espécie de jóia da coroa, que bem poderia ser o projecto nado-morto de recuperação do sanatório para uma pousada de grande nível. Ou então, atrevo-me a sugerir, o Colégio de São Fiel, que chegou a um lamentável e pouco católico estado de ruína, e que oferece um potencial magnífico para a criação de um hotel que faria o Pestana corar de inveja. Se alguém tiver aí uns milhõezitos a mais, metemos já mãos à obra!
Na França rural, existem dezenas destes hotéis nos locais mais recônditos e que estão totalmente orientados para um turismo de grande poder de compra e que procura a paz, a tranquilidade, um bom Spa e um cocktail bem feitinho. Ou seja, para reformados espanhóis, alemães, ingleses, americanos e japoneses poderem gozar as suas chorudas reformas.
Esse é um caudal de turismo a que a Beira Baixa não pode aspirar, porque não tem infra-estruturas de qualidade para os acomodar. É que muitas casas de Turismo de Habitação (que podiam bem servir esse tipo de clientes), não são mais do que turismos de imitação. Muitos dos seus feudais e falidos proprietários serviram-se da generosidade do Estado para recuperar os seus decrépitos solares, e agora velam para que o estabelecimento goze do maior sigilo, para não serem perturbados por gente do lúmpen. Há excepções, mas esta é a regra!

Ora, na cartilha do turista as principais preocupações são: Onde ficar, o que comer e o que ver. Assim o único recurso natural que temos em abundância e variedade é - o que ver, e mesmo esse precisa de ser urgentemente potenciado, promovido, sinalizado e divulgado.
É possível criar uma oferta integrada e diversificada nesta região que articule inúmeros circuitos em torno de pólos de atracção (como as aldeias históricas, a Serra da Estrela, as Termas de Monfortinho e a zona da Raia), só não é possível fazê-lo enquanto todos os agentes políticos e económicos da região andarem entretidos com as suas amesquinhadas diatribes e bairrismos parolos. Todos sabemos que o turismo é uma indústria em crescimento, que em Portugal contribui já com 13 mil milhões de euros para o PIB nacional, e que emprega mais de 500 mil pessoas, e que pode vir a empregar muito mais.
Representa uma oportunidade para regiões empobrecidas como a nossa, e por isso merece ser de facto uma causa regional e mesmo nacional, o que é bem diferente de ser uma cauda umbiguista e concelhia.

Quer isto dizer, que fazer manifestações por causa da intenção do Governo em barrar a criação de uma Escola de Turismo ou ameaçar com uma descida ultramontana ao Parlamento por causa de um Casino vetado na Estrela, podem até ser justas causas, mas arriscam-se mais a parecer reivindicações desgarradas, à escala daquelas que se fazem em passagens de nível.
Ao desenvolvimento do turismo na Beira Interior falta muito mais do que uma Escola de Turismo ou de um Casino da Serra da Estrela, falta uma visão estratégica de âmbito regional, só possível se houver de facto um pacto de regime entre autarcas ególatras que ainda não perceberam que os respectivos concelhos só são competitivos do ponto de vista turístico, se os concelhos limítrofes também o forem. A única lógica possível é a da complementariedade e não a dos muros.
Se uns dão medalhas e outros fazem velório, o que sobressai nestes destemperos é a aquilo que sempre pautou a política de desenvolvimento regional – os agradinhos ao poder central, a mão estendida, os cochichos, amuos e a zangas das comadres.
O futuro da Beira Interior não tem definitivamente espaço para tantos egos da salvação.
Mas, se o turismo for definitivamente encarado como uma prioridade regional, há espaço para uma formação séria e orientada para as necessidades do mercado de profissionais de turismo e hotelaria, que tanta falta fazem para elevar a qualidade dos serviços, para inovar e gerir empreendimentos turísticos, e até para confeccionar um Dry Martini como deve ser.

Por isso, das duas uma, ou o Engº Sócrates e Dr. Walter não gostam é do Dr. Frexes e do Dr. Pinto, ou não gostam de Dry Martinis e de um joguinho de Black Jack.
Se no primeiro caso até os posso entender, no segundo, não.
Fiquemos, por ora atentos às cenas dos próximos capítulos.