Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

A minha foto
Nome:
Localização: Lisbon, El Caballero, Vatican City

sexta-feira, novembro 25, 2005

Paizinho, já sou deputado

“Depois da guerra, tinha duas opções: terminar a minha vida como deputado ou acabá-la como alcoólico. Agradeço a Deus por ter guiado tão bem a minha escolha: já não sou deputado! …”
Winston Churchill, conferência (Março de 1959), in “Antologia da Asneira no século XX”


Para o anedotário nacional, o antigo ministro da Administração Interna do PSD, Dias Loureiro, garantiu a posteridade com aquele célebre e enternecedor telefonema para o seu progenitor – Papá, já sou ministro!
Ora o tempo passa, e o senhor não só foi o ministro responsável pela caldeirada do bloqueio da Ponte 25 de Abril, que abriu a derrocada do cavaquismo, como se transformou num gestor de topo e numa espécie de Cardeal Richelieu do PSD.
Hoje, Dias Loureiro já não é ministro, mas pelo menos é uma rica pessoa.
Para muitos acrobatas do andaime da política nacional a ascenção começa (ou recomeça) esta semana, depois de distribuídas as listas de “casamento”, que é uma espécie de arrumação de conveniências com que são urdidas as listas de candidatos à Assembleia da República pelos círculos regionais.

Muitos dos putativos pares da nação já sonham com o momento em que poderão telefonar aos respectivos consortes, amantes, papás ou simples colegas de liceu, anunciando com a voz embargada de comoção:
– Já sou deputado!
O melindre que exige a composição das listas de casamento tem parecenças com este bailarico politiqueiro das listas de deputados. Em primeiro lugar, define-se o número de convidados com assento à mesa (lugares elegíveis), distribuindo-os pelos vários círculos eleitorais que são as mesas da boda.
O noivo, que é normalmente o líder do partido, reserva para si uma quota de convivas; para o líder do PS, por exemplo, são 30 por cento de cartõezinhos, fora aqueles que persuade a incluir nas quotas das distritais do partido, como sabiamente fez Pedro Santana Lopes no seu restrito clube eleitoral, acautelando o futuro dos seus mais dedicados serviçais, que viviam na eminência de engrossar as estatísticas do desemprego em Portugal.
A “noiva”, que são as “bases”, as distritais e concelhias do aparelho partidário, fica sempre reduzida à expressão do seu peso político, que como se sabe é insignificante, e por isso, lá consegue às vezes meter de calçadeira um desconhecido médico nativo, um antigo delegado regional de qualquer instituição local, um destacado dirigente da “jota”, um fadista desafinado, um autarca em fim de carreira; enfim alguma personalidade menor, dada às artes da intrigalhada (há honrosas e pontuais excepções) que é normalmente a mais empolgante diversão mundana que se pode almejar nos serões de província.
- Onde vais querido? Pergunta a esposa extremosa.
– Vou a uma reunião do partido, é um chatice, mas é para o bem da região! - Responde o ufano segundo secretário do concelho fiscal do partido XPTO, que encontrou mais uma boa razão para se “desenfiar” e ir beber uns copos com os amigalhaços da concelhia, e quem sabe, um dia aspirar à sombria quinta coluna da bancada parlamentar.
Qualidades como o servilismo, o oportunismo, e sobretudo a ambição, são essenciais para o pé-de-dança nesta boda.

Depois passa-se o mesmo que em qualquer casório.
Os que não foram convidados botam má-língua no noivado e coscuvilham valentemente sobre a farpela dos convidados e os lugares em que foram instalados à mesa. Já os afortunados convivas não perdem tempo em maldizer a comida – Esta sopa está fria! – rezinga um,
– É um consomée – responde prontamente o rival.
Enfim, é como diz um conhecido arguido da nossa praça – um verdadeiro farrabadó.
No fim de festa vêm as brigadas do “taparwere” a distribuir os restos do banquete entre as várias mesas, o que em jargão parlamentar se chamam as “comissões”.
E, ainda dizem que existe uma crise de representatividade no nosso sistema político. Cá por mim acho que o despudor com que é organizado este “copo-de-água” é bem representativo da política à portuguesa.
Sobra no processo, a vaidade pacóvia do ilustre desconhecido que vai galgar a escadaria da Assembleia da República praticar os seus dotes genuflectórios e levantar o braço a mando do dono, como fazem os cães amestrados.
Churchill fez de facto uma prudente escolha.