Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

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sexta-feira, novembro 25, 2005

Corrupção a bem da Nação


“Enriqueça e, se roubar, não roube excessivamente, de cada vez. Poderia ser detido. Roube de uma maneira inteligente, a pouco e pouco.”


General Mobutu

A minha bisavó Rosário, dos Escalos de Cima foi no seu tempo pioneira do crime recentemente consagrado no Código Penal e que está agora mais popular que as baladas do Toni Carreira – o tráfico de influências.
Viúva cedo e com uma catrefa de filhos à ilharga para dar côdea; a rija mulher do campo cedo se dedicou aquele que é o crime mais praticado na História de Portugal, logo a seguir ao excesso de velocidade ou ao cheque careca.
Num tempo em que os direitos adquiridos só o eram com a boa vontade dos poderosos (desconfio que não mudou assim tanto), a pragmática mulher nunca se acanhou de pedir e meter cunhas, calcorreando todas as capelinhas para com manhas submissas pedir pelos seus.
Sempre a conheci assim, mesmo já com 80 e tal anos e apoiada ao cajado, metia-se pela estrada até Alcains, apanhava o comboio e ia a Castelo Branco ou a Lisboa pedir um emprego para os bisnetos, como o havia feito para os filhos e netos, com uma taxa razoável de sucesso, para a mais bem sucedida agência de emprego da família.

Pessoalmente, sempre tive algum pudor no método useiro e vezeiro nesta espécie de cultura informal que norteia as relações de mercearia da troca de favores. Confesso que no meu caso é mais por timidez e embaraço do que propriamente por imperativo moral; e se calhar é assim na maioria dos casos.
Mas, a verdade é que a cunha, o compadrio e o favor estão firmemente enraizados na sociedade portuguesa, e constituem terreno fértil para a corrupção prosperar.
Quem nunca meteu uma cunha para alguém entrar em determinado emprego? Ou pediu a uma prima enfermeira para facilitar a consulta de dermatologia? Ou ao amigo para ver se Câmara Municipal lhe colocava lá um caixote do lixo à porta?
Faz parte da lógica de lubrificação da máquina burocrática. É por ainda sermos tão dependentes do Estado e da burocracia, e por estes funcionarem tão mal, que somos tão sicilianos neste “modus operandi”.
Somos, como era a minha bisavó, dependentes de favor alheio e do chapéu na mão, e por isso estamos dispostos a retribui-lo na medida das nossas possibilidades e da nossa gratidão.
Sempre que se mete ou se aceita a mais simples cunha, estamos a extrair uma vantagem indevida e ilícita. Em bom português, estamos a passar a perna em alguém e a perpetuar o xico-espertismo nacional. Não contrariando e denunciando esta prática, contribuímos para a eternizar, e dificilmente podemos esperar que ela seja debelada nas esferas de influência que mais poder têm para a praticar.
A diferença entre uma pequena cunha em serviços públicos e um grande caso de corrupção e tráfico de influências entre autarquias, Estado e empresas, é meramente de escala e moldura penal. O princípio geral de desonestidade é exactamente o mesmo.

O reino da trafulhice organizada em que este país se transformou (ou se calhar sempre foi, surdamente) não é reflexo da política ou dos políticos, é o espelho de um país que assobia para o ar quando não lhe convém, e desata a ulular ó da guarda! quando lhe toca na pele.
É por isso que reina a impunidade. Porque a indignação esbaforida que perpassa os jornais e as conversas de café é tão eruptiva e efémera como as discussões sobre arbitragens após um derby.
No fundo, existe uma espécie de desvalorização ética em relação à corrupção, aos arranjinhos ou ao tráfico de influências; sobretudo se forem praticados ao serviço de um pseudo-bem público, trocando sobreiros por alegados postos de trabalho e desenvolvimento.
Na verdade, os portugueses estão-se a marimbar para se os políticos metem algum ao bolso, ou se os autarcas e os partidos andam à custa dos empreiteiros, ou se um árbitro apita à má-fila porque foi pago em rebaldarias sexuais.
Estão-se nas tintas, desde que o político seja do seu partido e tenha obra feita lá na terra; desde que o autarca pague os ordenados em atraso do clube de futebol e vá construindo umas rotundas catitas; e desde que árbitro apite a favor do seu clube.
Só assim se explica que Fátima Felgueiras, Isaltino Morais ou Valentim Loureiro pudessem ganhar eleições nas suas terras. Porque o povo julga que a trapaça foi em seu benefício.

Como dizia o escritor francês Henry de Montherlant “A política é como a linguiça, tem de cheirar um pouco a merda, mas não de mais.”
Nós por cá, até tresanda, e assim continuará enquanto o estrume não for revolvido e a bacorada vir o lombo moído a varapau. Num país de mãos untadas e costumes licenciosos, já vai sendo tempo da Justiça ser menos cega, surda e muda e no lugar da balança, tiver as mãos atadas.
Onde a porca torce o rabo é na falta de vontade política para dotar a investigação de meios para combater eficazmente a corrupção e o tráfico de influências, pelo menos enquanto essa vontade depender exclusivamente de alguns políticos…
Entre as prioridades da Nação, não consta nenhum choque ético, ou a perseguição feroz à evasão fiscal e ao financiamento ilegal de partidos.
Mais facilmente damos caça ao pilha-galinhas do que às raposas da alta finança, que se passeiam ufanas nos “off-shores”, nos seus carros topo-de-gama, nas suas férias em iates e nos seus torneios de golfe. Os liberais perfumados e queques chamam a este discurso – ódio aos ricos – mas cá pelas minhas contas, não há no nosso país pobres suficientes para produzir tantos ricos.
Portugal continuará a ser este pequeno paraíso dos grandes intrujões, enquanto não começarmos todos a limpar as mãos, mais ou menos sujas, em vez de as esfregarmos umas nas outras.