Contra Vapor

"Este país está cheio de espertos e moralistas que até chateia. Precisava era de ser pasteurizado em merda de uma ponta à  outra"
José Cardoso Pires, in - Balada da praia dos cães

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sexta-feira, novembro 25, 2005

Um fogo que arde sem se ver

"Em Portugal os incêndios não são uma fatalidade, o mau Governo é que é!"

Se La Fontaine decidisse escrever umas fábulas sobre Portugal, encontraria decerto farta matéria neste fumeiro à beira-mar plantado no ano de 2005 do Senhor. O país das baratas tontas seria uma hipótese académica que ganharia corpo, com a forma atabalhoada, desesperada e trágica como enfrentamos mais uma vaga de incêndios.
Tudo a correr de um lado para o outro, aos gritos de acuda! acuda! acuda! e as chamas de orelhas moucas a devorarem o manjar que a incúria e o desleixo dos homens lhe estendeu. “O fogo é ladrão e nós abrimos-lhe a porta”, dizia com propriedade na semana passada o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses ao JF.
Ora, um país tão pródigo em provérbios e dixotes teima em não levar à letra o prudente conselho “Casa roubada, trancas à porta”. O flagelo dos incêndios em Portugal não é uma catástrofe natural, porque não é consequência da imprevisível da fúria dos elementos, nem da força destruidora da mãe-natureza.
Este flagelo é de natureza previsível, é tão sazonal como a época balnear, e por isso escusam os senhores ministros virem aí com a ladainha da “fatalidade”. A única coisa fatal nos incêndios em Portugal é a impotência de um país e do seu Governo em os prevenirem, anteciparem, vigiarem, alertarem e extinguirem. Os incêndios não são uma fatalidade, o mau Governo é que é.
Dizem os apaziguadores que em tempo de combate e tragédia não é coisa bonita distribuir culpas. A culpa por cá fica para tia. Mas é flagrante que a culpa desta tragédia anual é de todos os Governos, das autoridades competentes e também das próprias populações; rigorosamente por esta ordem.
Quando o ministro António Costa encolhe os ombros, afirmando que este Governo não teve tempo para prever a calamidade, está a prestar-se à farsa farsolas. Ora, contas rápidas, este Governo foi eleito há cinco meses, que me parece tempo suficiente para preparar um plano de emergência e ter uma estratégia proactiva e não reactiva, como é de timbre nacional.
Num ano de seca extrema, não era preciso ser nenhum Nostradamus para “prever” o futuro negro. Não acredito que o Governo não soubesse o que ia acontecer, tinha era, como sempre, outras prioridades (como mudar a administração da Caixa Geral de Depósitos e a da Galp).
O Governo sabia que isto ia acontecer, mas também sabia que a teoria da fatalidade e o pouco tempo de exercício executivo lhe permitiriam passar, senão incólumes, pelo menos apenas chamuscados pelos fogos.

Se algum especialista em análise de conteúdos passasse em revista a comunicação social nacional na época idiota (que em Portugal é mais ou menos do dia 1 de Janeiro até ao dia 31 de Dezembro), depressa identificaria as palavras lavrar, incontrolável e ponta-de-lança (o tal do Benfica) como as mais largamente utilizadas pelos camaradas jornaleiros no período estival.
D. Dinis, “O Lavrador” ficaria arrepiado por ver o caminho que levava o seu cognome, e junto com ele o pinhal de Leiria. Por cá o arado está estacionado na loja junto com as outras alfaias agrícolas. Por cá, o mais que se lavra são autos e chamas. E agora agitam-se as consciências funestas, os analistas-incendiários e os especialistas, prontos para fazer o enésimo diagnóstico e a tretatésima terapia. Vai ser lume brando de pouca dura, porque o grande problema dos fogos, e de tudo o resto neste país, é que a memória é mais curta que um fósforo. Lá para Setembro, quando as chamas se extinguirem, o país escaldado entra em rescaldo, e os incêndios passam apenas a ser uma memória defunta e esquecida.
Os grandes problemas em Portugal são uma fatalidade, e não fazem parte das grandes prioridades do Estado e dos seus cidadãos. Os incêndios, a sinistralidade rodoviária, a pobreza, e a selvajaria no planeamento do território, que leva à desertificação do interior e de áreas florestais, ou seja ao seu abandono à vontade do fogo; são isso mesmo, fatalidades, para as quais as baratas tontas não têm remédio possível, e que vão ardendo todo ano, como fogo que arde sem se ver.
Para o nosso consolo de cidadania passiva, resta compadecermo-nos com a desgraça alheia e com a voracidade do monstro incendiário, que juntamente com o monstro do défice e o da corrupção, são os dragões que nenhum providencial São Pedro consegue degolar.
É por isso, que muitos daqueles que se apiedam com as desgraças das pessoas que perderam tudo hoje, nem sequer espreitam para o seu quintal, para ver se está limpinho e com uma cintura de segurança para evitar o pior.
É bom lembrar, que o fogo é ladrão que a qualquer momento nos bate à porta. É para não apagar estas chamas assassinas da memória, que também tenciono comprar a pulseirinha de solidariedade que a associação “Pinus Verde” vai lançar para apoiar as vítimas dos incêndios na zona do Pinhal.
Sob o lema “Pulsar verde”, para que a nossa consciência não se extinga mais facilmente do que as labaredas deste Verão.